Celulose e Papel

ENTREVISTA

O papel de uma vida

Se hoje podemos vislumbrar o futuro, é porque subimos nos ombros dos gigantes, que abriram o caminho até aqui. Vemos um setor de celulose e papel poderoso, pois há muitas décadas profissionais têm dedicado sua vida toda ao desenvolvimento de novas técnicas, formas de trabalho e, principalmente, evoluindo pessoas. O entrevistado dessa edição é o professor e consultor Celso Foelkel, que dedica sua vida ao segmento de papel e celulose há mais de 5 décadas.



CV

Formado em engenharia florestal pela USP-ESALQ (Universidade de São Paulo – Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz), mestre em celulose e papel pela Universidade de Nova York e Doutor  Honoris Causa pela Universidade de Santa Maria. Celso produziu mais de 600 artigos técnicos e prestou consultoria para a grande maioria das grandes empresas e associações do setor, onde é considerado uma das grandes referências da área.

Celulose&Papel: Como surgiu seu interesse pelo setor florestal e de celulose?

Celso: Iniciei bem cedo, quando tinha uns 4 anos. Em função de morarmos em uma casa na cidade de Espírito Santo do Pinhal (SP), me divertia em mexer com a terra, o jardim e a horta. Percebi que gostaria de ser engenheiro agrônomo e poucos anos mais tarde, definiria que seria um agrônomo. Preparei-me muito bem ao longo do ensino fundamental, passando no vestibular e me formando pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), em Piracicaba (SP). No segundo ano do curso de agronomia, em 1967, fiz uma visita ao Horto Florestal de Rio Claro, hoje Floresta Estadual Navarro de Andrade. Ali conheci o Museu do Eucalipto e as fantásticas árvores dos eucaliptos: paixão imediata, principalmente, porque nesse mesmo ano do curso em Piracicaba, estávamos sendo contemplados com magníficas aulas na disciplina silvicultura. Assim, decidi-me por ser engenheiro agrônomo silvicultor, pois na ESALQ, naquela época não existia ainda a formação de engenheiros florestais. No mesmo ano, surgiu uma oportunidade de estagiar, sem remuneração, nos Laboratórios de Química, Celulose e Papel, com a orientação do renomado professor Luiz Ernesto George Barrichelo. Candidatei-me a uma das três vagas e fui selecionado, permanecendo ali por 4 anos. Os outros estagiários desistiram logo, não se encantando com a forte base química exigida.

Celulose&Papel: É verdade que foi um dos primeiros associados da ABTCP (Associação Brasileira Técnica de Celuose e Papel)?

Sim, na época fundava-se a ABCP, atual ABTCP (Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel). No início de 1968 tornei-me sócio estudante da entidade e permaneço ligado a ela até hoje, agora na qualidade de sócio honorário.  Às vezes, me perguntavam o porquê de eu, gostando de árvores e florestas, ter escolhido estagiar em tecnologia de celulose e papel. Naquela época respondia que não adiantava apenas se plantar florestas, tínhamos que produzir árvores para uma finalidade para a sociedade e que celulose e papel era uma área bastante promissora. Por isso, estudava com afinco essas ciências também. Como o IPEF (Instituto de Pesquisas Florestais) foi fundado em 1968, durante meu estágio, passei a conhecer empresas como Champion, Rigesa, Klabin, Suzano, Papel Simão e outras, interessando-me muito mais ainda pela área de celulose e papel. Em julho de 1968, fiz um estágio de férias na fábrica da Olinkraft (atualmente Klabin) em Otacílio Costa (SC). Estagiei na área florestal, ajudando na produção das madeiras de Pinus taeda para alimentar o digestor da fábrica, que já possuía inclusive uma caldeira de recuperação (coisa nada comum na época). Assim foram meus primeiros passos seguros no setor.

Celulose&Papel: Como foi a caminhada na profissão inicialmente ?

Comecei a publicar artigos e a participar nos eventos da ABTCP, conhecendo e interagindo com a gente de setor de produção de celulose e papel. Muito em função da determinação em estudar, lecionar aulas e a gerar conhecimentos para o setor, fui estimulado pela ESALQ a estudar ao nível de pós-graduação em Syracuse/NY (College of Environmental Science and Forestry – EUA Estados Unidos da América) e obter, assim, algo pouco comum na época, que era um diploma de mestrado em celulose e papel. Para lá fomos, em janeiro de 1972, com bolsa de estudos, eu e minha esposa Lorena. Retornamos em agosto de 1973 com nossa primeira filha Alessandra e diplomado. Em 1974, o Governo Federal lançava o ambicioso PNPC (Programa Nacional de Papel e Celulose), que tinha como objetivo utilizar a base florestal que estava sendo criada a partir de outro programa governamental de 1967, que era o Programa de Incentivos Fiscais ao Reflorestamento. Enfim, as coisas foram acontecendo na carreira, assim como, minhas preferências e opções foram se mostrando acertadas. Fomos muito felizes em todas as múltiplas atividades que tive, junto com a família. Da mesma forma, quando tive a oportunidade de residir em Piracicaba (como professor da ESALQ), em Ipatinga (trabalhando na Cenibra e lecionando em Viçosa/MG), em Guaíba (RS) e Porto Alegre/RS (Riocell e UFSM  – Universidade Federal de Santa Maria). Em Porto Alegre, nascia em 1979 a Ester, nossa segunda filha, que também seguiu a carreira de engenharia agronômica.

Celulose&Papel: Quais principais mudanças que percebeu no segmento?

Celso: Houve mudanças rápidas e notáveis ao longo do tempo. Ganhamos em produtividade, qualidade de produtos e socioambiental, além de tecnologias aplicadas no campo e nas fábricas. O Brasil é referência mundial em produção de florestas e em tecnologias florestais e industriais (celulose e papel, painéis de madeira, biocombustíveis, madeira serrada e preservada, etc.). Dá para se dizer que o setor viveu dois momentos nessas rotas de vida em direção à sustentabilidade:

– De início fomos reativos às pressões que recebíamos pelo odor das fábricas, pelos efluentes contendo compostos organoclorados, pela pouca transparência e pela incapacidade de dialogar de forma clara para comprovar as vantagens das plantações florestais e das fábricas.

– A partir dos anos 1990, com as opções acertadas pela certificação florestal e dos sistemas de gestão pelas normas das ISOs (International Organization for Standardization), o setor aprendeu os fundamentos da sustentabilidade e gostou disso. Conseguimos as façanhas de nos anteciparmos aos problemas e a mantermos diálogos com os interessados, respeitando as opiniões divergentes e buscando denominadores comuns com os que nos criticavam.

Celulose&Papel: Como foi a  experiência na criação de conteúdos?

Celso: Sempre quis ter mais tempo para escrever e compartilhar do meu conhecimento. Por isso, em 1998, decidi aproveitar o momento em que a Riocell vivia momentos de mudanças em relação ao projeto de gestão e resolvi sair para cuidar desse sonho. A primeira ideia foi a de escrever livros. Cheguei a negociar com a TAPPI (Technical Association of the Pulp and Paper Industry, dos EUA) a produção de um livro sobre as tecnologias florestais e industriais para o eucalipto. Mas ao saber que seriam produzidos poucos exemplares e a um preço caro, abortamos a ideia.

Celulose&Papel: Quando começou escrever para a revista: O Papel?

Entre os anos de 1999 e 2005, durante o período na presidência da ABTCP, mantive na Revista O Papel uma coluna mensal de artigos de opinião, que se denominava Setor 200n. Nela, colocava minhas ideias de melhorar o setor, de criticar quando necessário e de elogiar também. Eram temas variados e sem uma sequência de assuntos. Isso me dava liberdade de escrever o que preferia. Em 2003 decidi criar meu primeiro website o www.celso-foelkel.com.br para colocar mais informações livres para acesso do público. DA mesma forma, surgiu a ideia de criar um livro digital, o Eucalyptus Online Book, cujos capítulos iria escrevendo e lançando em uma nova plataforma, (www.eucalyptus.com.br), criado apenas para abrigar o livro virtual e uma newsletter a ele associado: a Eucalyptus Newsletter. Os capítulos inicialmente eram escritos em português e inglês, mas isso me tomava tempo, além de ser oneroso. Por isso, decidi valorizar mais o livro e a newsletter sobre o Eucalyptus e criar em 2008 outra fonte de informação para a espécie pinus, surgindo assim a PinusLetter. Todas as publicações passaram a ser apenas no idioma português. Para os websites, contava com os serviços de minha filha Alessandra (webmaster) e para a PinusLetter, da filha Ester (redatora principal). Foram anos muito legais, a família trabalhando junto e oferecendo soluções e informações para a sociedade. Ao mesmo tempo, mantive uma seção de Q&A denominada: Pergunte ao Euca Expert; que possui mais de 2.500 perguntas recebidas e respondidas para o público. Dessas, cerca de 1.750 estão disponíveis e respondidas. As demais faltam ainda serem lançadas na web. Mas mantenho as respostas de novas perguntas que me chegam via redes sociais e e-mails. Em 2021, com a pandemia do Covid, perdi muito do apoio financeiro que recebia para as três publicações e fui obrigado a encerrar minha empresa Grau Celsius, que cuidava dessas edições e de consultorias que tinha com empresas nacionais e internacionais.  As publicações mantem-se vivas nos websites ainda ativos e totalmente disponíveis para a sociedade.

Celulose&Papel: Quais os desafios do setor?

Celso: Existe uma quantidade enorme de estudos científicos e de base tecnológica sendo produzida. Essas pesquisas muitas vezes são repetitivas entre os acadêmicos e pesquisadores industriais, com foco em estudos de otimizações sobre a mesma fundamentação tecnológica. É óbvio que o aperfeiçoamento dos processos devem ser uma bandeira para todos, mas não é tudo. Temos que começar a revolucionar e não apenas otimizar a produção de celulose e papel, não apenas de celulose kraft. Temos que nos preparar para um futuro com mais restrições e menos recursos naturais, como água e energia. Uma fábrica, por exemplo, que acaba de entrar em operação pode durar mais de 60 anos, passando claro, por suas devidas modernizações. Esse período parece curto se comparado ao planeta terra, mas é suficientemente longo para que esse empreendimento venha a receber muitos dos impactos das atuais mudanças climáticas e sociopolíticas. Logo, essas enormes fábricas de mais de 2 milhões de toneladas de celulose por ano podem enfrentar, ainda em vida, situações de restrições severas de falta de madeira, água ou energia. Não me surpreenderei se alguma delas vier a ser fechada no futuro por falta de água no rio que a abastece.

Celulose&Papel: Falta pesquisa inovadora no universo acadêmico?

A ênfase das pesquisas tem sido concentrada no aperfeiçoamento dos processos existentes, mas com a manutenção dos mesmos conceitos fundamentais. Isso porque é mais seguro para os pesquisadores, que não precisam se arriscar no âmbito do desconhecido. Consequentemente, precisamos que os estudiosos e pesquisadores não fiquem todos sobrevoando o mesmo pote de mel para ver onde pousar para sugar um alimento já conhecido. Temos que nos arriscar mais em pesquisar o desconhecido promissor, principalmente nas universidades. Mesmo que a pesquisa resulte em pouca agregação de novos conhecimentos ou de novas tecnologias, o desconhecido deve ser enfrentado. Acredito que existam muitas áreas da ciência que ainda não foram caminhadas, sequer olhadas com uma alça de mira pela área. E a mirada deve ser com visão de helicóptero, olhando não apenas um processo, mas principalmente as integrações entre diferentes processos fabris e florestais. Não adianta termos florestas produzindo madeira sem oportunidades de ser utilizada, por qualidade inadequada ou ausência de consumidores. Também não adianta termos fábricas construídas para certo produto e não termos madeiras adequadas em qualidade ou quantidade para essa industrialização.

Celulose&Papel:O Brasil tem potencial de ser o líder mundial na produção de celulose?

Celso: O Brasil já é grande produtor e detém liderança em produção de celulose de mercado para fabricar papel, mas também cresce na fabricação de papéis sanitários e celulose para dissolução. Entretanto, ser líder mundial em produção total de celulose não é tão relevante, o importante é ser líder em produtos que atendam mercados promissores e de alto valor agregado. Dispomos de todo um enorme alicerce científico e tecnológico (universidades, empresas, institutos de pesquisa) para dar apoio e embasar qualquer tipo de novos produtos nesse setor, principalmente com as potencialidades de diversificação de atuações com o surgimento do conceito de biorrefinarias integradas. Diversos novos produtos estão surgindo e mostrando viabilidades de crescimento, como biocombustíveis, nanocelulose, lignina, resinas, etc.

Celulose&Papel: Como a qualidade da madeira tem ajudado o setor?

Celso: A qualidade da madeira foi a porta de entrada dos engenheiros agrônomos e florestais ao setor de celulose e papel. Vivemos momentos de muitas espécies sendo plantadas de Eucalyptus e duas de Pinus (P. taeda e P. elliottii) no Brasil e com diferentes formas de manejo. Isso aconteceu durante a fase dos incentivos fiscais e nossas florestas eram definitivamente heterogêneas. Mas as fábricas iniciais dos anos de 1970 e 1980 tinham muitas folgas em termos de dimensionamento de digestores e branqueamento, pois se sabia pouco sobre a polpação e branqueamento das madeiras e polpas kraft de eucalipto e pinheiros. Por isso, os limites de garantia dos equipamentos de processo eram maiores nos projetos daquelas épocas. Durante os anos de 1990, a hibridação e clonagem passaram a ser ferramentas dominantes no melhoramento das florestas de eucalipto. Usando-se poucos genomas nas florestas, ocorreu naturalmente uma homogeneidade maior da qualidade da madeira. E, junto com ela, o aumento da produtividade.  O que percebo atualmente é que a qualidade da madeira continua sendo um dos fatores mais importantes na seleção de um clone a ser utilizado nos processos industriais. E isso tem suas razões, pois permite a seleção de materiais, que possam ter maior e melhor desempenho e descartar os menos promissores nos programas de melhoramento florestal. Também oferecem condições de uma preparação para a entrada da madeira nas fábricas no momento da colheita florestal, já se prognosticando com seu devido desempenho fabril. Quando uma floresta atinge o ponto de maturidade para entrar no processo industrial, a madeira já está, em princípio, devidamente estudada e com indicações de seu potencial para ser utilizada com um conhecimento aproximado de suas vantagens e desvantagens. Apesar de tudo isso ser potencialmente muito bom, apenas questiono a possível falta de representatividade das amostras colhidas para análise e também a insuficiência de repetições para que sejam encontrados valores de qualidade da madeira, que possam efetivamente representar a população de árvores que serão clonadas. Também não me agradam os testes baseados em quantidades infinitamente pequenas de amostras para serem analisadas de forma precária e simplista na tentativa de dar uma indicação de representação do todo do povoamento florestal. Tenho certeza que muitas vezes, os técnicos recebem apenas números dos laboratórios de qualidade da madeira, os quais podem nada significar, apenas números e nada mais. Evidentemente, para resultarem em conclusões precárias, também.

Celulose&Papel: Ainda existe muita desinformação sobre a celulose no mercado?

Celso: Sim, mais muito menos que no passado. A internet (através das redes sociais, dos websites setoriais, do youtube, etc.) e as associações de classe têm ajudado a minimizar o problema de lacunas de informações. Entretanto, o maior perigo não é a desinformação das pessoas que constituem o nosso povo, mas o uso inadequado de informações não verdadeiras, principalmente por entidades que tenham interesses políticos ou para tirar vantagens próprias. Nesse grupo podem ser incluídas ONGs (organizações não governamentais), politicos e até mesmo concorrentes dentro do próprio setor ou de setores que competem conosco. Temos que continuar divulgando as coisas boas do setor e escutando as partes que nos questionam para buscar diálogos e melhorias. Devemos focar, inda, em monitorar aqueles que possam ter interesse em usar a facilidade que se tem hoje para difundir notícias inadequadas sobre o setor: por quaisquer razões que lhes possam favorecer.

Celulose&Papel: Muitos artigos trouxeram novidades na época de suas publicações. Tem algum que considere mais especial?

Celso: Sempre trabalho em equipe nas fábricas e universidades por onde atuei com o objetivo de encontrar novas rotas e melhorias. Tivemos sucessos nas áreas de polpação e branqueamento, em épocas em que quase nada se conhecia sobre o eucaliptos. Por exemplo: publicamos trabalhos ainda na década de 1970 e 1980 demonstrando que a polpação kraft da madeira de eucalipto exigia tempos mais longos e temperaturas mais baixas para melhor qualidade de polpa e economia de insumos. Para o branqueamento, concluímos que as sequências poderiam ser mais curtas, com menos estágios e com economia de investimentos em torres, equipamentos e produtos químicos. Ainda nos anos 1980, apresentamos um processo de produção de tipos diferenciados de polpas de eucalipto, selecionando as madeiras e a forma de processar da mesma na fábrica a obter de polpas com qualidades específicas para tipos distintos de papéis. Um sucesso, saindo assim do conceito de produto commodities. Disso resultaram publicações e palestras. Um importante trabalho que nos tomou mais de duas décadas foi avaliar mais de 700 polpas de mercado disponíveis no mundo, com a finalidade de posicionar as polpas tipo papel e solúvel dos eucaliptos brasileiros. Já publicado em parte.

Celulose&Papel: Passou por algum desafio ambiental?

Houve um momento ambiental, em que tivemos que selecionar as melhores formas de branquear a celulose, além de tratar os efluentes e os resíduos sólidos gerados nas fábricas. Muita coisa foi gerada e disponibilizada ao setor através de publicações. A Riocell, onde trabalhei, em dada época, chegou a ser visitada pela U.S. EPA – Environmental Protection Agency – para entender nossas formas mágicas de tratar efluentes e resíduos com tanta efetividade e resultados excepcionais. Isso para poder exigir mais das fábricas norte-americanas, que diziam ser impossível atingir os níveis de qualidade ambiental que a Riocell publicava em eventos internacionais. Mas foi a partir de 1998 que passei a me dedicar à ecoeficiência das operações nas fábricas e florestas: o que significaria se produzir mais madeira, celulose ou papel, com menores desperdícios e consequentemente, menos consumos específicos. Esse programa foi um enorme sucesso e isso me levou a diversos países do mundo para oferecer algo simples e muito aplicado ao setor. Tudo isso ainda possível e fácil de ser obtido como capítulos do Eucalyptus Online em meus websites. Difícil de escolher algo que possa classificar como meu must tecnológico. Sempre procurei encontrar soluções e em parceria com as pessoas com as quais trabalhei, mesmo para problemas simples. Isso aconteceu sempre, inclusive nas empresas onde trabalhei e trabalho como consultor. Nada melhor do que resolver um problema em equipe, mesmo que seja algo simples, de forma inovadora e cooperada para que essa solução seja aplicada efetivamente. Ao se ter parceiros para a solução de problemas, ganhamos forças para implementar as mudanças necessárias.

Celulose&Papel: Qual a importância da formação e capacitação de profissionais no segmento?

Celso: A formação do profissional do presente e futuro do setor não se baseia apenas nas ciências e tecnologias do próprio setor, apesar dessas serem os alicerces das vidas profissionais dos mesmos. Por isso, devemos manter as mesmas como a base de tudo, com ressalvas. Existem dezenas de universidades e de faculdades do SENAI ofertando embasamento em celulose, papel e florestas plantadas. Porém, o profissional precisa muito mais que isso, incluindo formações em ciências humanas, financeiras, inteligência artificial e comportamentais/relacionais, dentre outros temas. As universidades ainda estão muito engessadas nos métodos didáticos e mais se preocupam com conteúdos que muitas vezes não serão totalmente úteis para os alunos. Também os temas de dissertações e teses surgem na maioria dos casos das ideias dos professores orientadores e não de uma consulta orquestrada junto aos setores potencialmente interessados no desenvolvimento. Acreditem se quiserem, mas para responder a essa questão, decidi averiguar qual a grade das disciplinas acadêmicas do atual curso de pós-graduação, que eu e o pessoal da Cenibra montamos na UFV em 1977. Não me surpreendi muito com o que visitei no website do LCP/UFV: as disciplinas são basicamente as mesmas daquelas de 1977, só ganhando atualizações com os ganhos da ciência e das tecnologias, mas são disciplinas totalmente tradicionais, com mesmos nomes daquelas de 45 anos atrás. Não temos o costume de trabalhar o disruptivo no setor: somos um segmento industrial/florestal com altas demandas de capital, por isso, não gostamos de mudanças tecnológicas rápidas, pois elas podem obsoletar investimentos gigantescos em poucos anos, sem ter tido o devido tempo de carências e amortizações. Mas temos que nos preparar para as mudanças, elas necessariamente irão acontecer. Outro fator que me preocupa são as novas tecnologias totalmente automatizadas: os técnicos acabam sabendo operar só na frente de seus computadores, olhando o fluxograma e dados de telas, mas na maioria das vezes, desconhecem como as máquinas operam ou até mesmo onde elas estão. Alguns nunca visitaram as florestas, para saber como vivem as árvores. Também podem não saber questionar os balanços de massa e energia que fazem parte de seus controles, pois nunca são cobrados para usarem seus conhecimentos de engenharia para checagem desses balanços, às vezes, já obsoletados pelas mudanças nas sequências das operações. Enfim, isso tudo me parece com o uso de um automóvel moderno em que desconhecemos até mesmo onde fica a bateria, ou onde colocar a água para limpar o parabrisas. Mas há tempo para mudanças. Espero que as universidades estejam adequadas ou se adequando às novas realidades da formação de alunos.

Celulose&Papel: Qual seu maior legado para o segmento?

Celso: Meu maior legado estou produzindo desde o início da criação de meus websites, ou seja, desde 2003. Nesse material quero deixar o maior banco de dados possível sobre os processos florestais e industriais dedicados aos eucaliptos e pinheiros sendo utilizados no Brasil para produção de celulose e papel. A plataforma já abriga muito conhecimento, todos compartilhados abertamente para quem quiser visitar e navegar. Para isso, tenho recebido atualmente muita ajuda (não financeira, mas de apoio técnico) para que isso seja materializado, principalmente de associações como a ABTCP, a Tappi (USA), a Tecnicelpa (Portugal), a ATCP (Chile), a RIADICYP (Ibero-América) e de amigos que compartilham ideais similares por todo o mundo florestal e celulósico-papeleiro. Pretendo deixar como legado muitos cursos, livros, revistas e relatos históricos sobre o desenvolvimento do nosso setor. E sobre as pessoas que também se dedicam a ajudar a que nosso setor se perpetue. Em 2003, iniciei a escrever: Meus Relatos de Vida; que já se somam em mais de 70 anos. Cada um desses relatos tem a missão de contar sobre situações específicas, momentos históricos e entidades que existiram ou que ainda existem e que têm deixado sua ajuda para o fortalecimento e desenvolvimento do setor. Tenho ao menos cem relatos para escrever – não sei se atingirei a todos, mas é como deixar escrita a história de uma forma coloquial e cheia de verdades, pessoas, conquistas e emoções. Uma trajetória de vida em forma de alegrias, conquistas, algumas decepções e que se completa com enorme quantidade de amigos conquistados em anos de atividades setoriais.

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Celulose&Papel: São 56 anos de carreira, quais considera os principais marcos de sua trajetória na carreira?

Celso: São tantos os caminhos percorridos e as realizações, sempre contando com equipes motivadas e qualificadas, que fica difícil elencar as mais importantes. Mas de forma resumida acredito que tenham sido as seguintes:

  • Muita dedicação em sempre fazer o melhor que podia fazer em cada momento da vida e para cada trabalho feito, um valor que tento manter independente de qual atividade esteja realizando;
  • A missão professoral com o objetivo de formar gente para o setor: cursos para formação de técnicos de nível médio, em cursos acadêmicos de graduação e pós-graduação em oito universidades e em palestras/cursos onde possível (até virtualmente nos dias de hoje) para compartilhar conhecimentos. A gente aprende muito mesmo ao ensinar os outros. Além de se E ganhar amigos.
  • Um dos pontos fortes de minha carreira foi estar sempre trabalhando de forma integrada e focada em três vertentes do setor: florestal, industrial e ambiental (sendo que no ambiente se incluem também as pessoas). Coisas que me permitiram conquistas muito importantes nesses 56 anos de atividades no setor. Principalmente por usar a ciência, as literaturas e a pesquisa tecnológica para a resolução dos problemas operacionais e de projetos de engenharia das fábricas em que trabalhei como funcionário ou consultor.
  • Principal criador do primeiro curso de pós-graduação em tecnologia de celulose e papel do Brasil na UFV (Universidade Federal de Viçosa) com o total e incondicional apoio da Cenibra para a formação desse curso impar no país, em 1977. Muito honrado de ter sido professor de mais tarde professores renomados como Rubens Chaves de Oliveira e Jorge Luiz Colodette, além de tantos outros técnicos. Depois, em 1980/1981, ter criado um curso similar na USP (Universidade de São Paulo) e entre 1990 a 2000, na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), esses dois últimos com apoio da Riocell, sempre com o estímulo do amigo e saudoso Aldo Sani. Também para o curso da UFV, o maior apoiador foi o doutor Aldo, que trabalhava também na Cenibra na época e que sempre me apoiou nessas iniciativas de formação de técnicos para qualificar o setor, independentemente para quais empresas eles viessem a trabalhar após  formados. Nesses cursos de pós-graduação, procurei ensinar tudo que havia aprendido em Syracuse e agregando conhecimentos adicionais adquiridos com minha experiência trabalhando na ESALQ, Cenibra e Riocell. O objetivo para mim sempre foi claro em relação à formação de gente ao setor: estudei no exterior para ajudar a que o Brasil pudesse ter profissionais qualificados e aos quais poderia transferir meus conhecimentos, sem distinção ou preferências e com a maior motivação para isso. Acredito que todos sabem que a maior satisfação de qualquer professor é ver o sucesso de seus alunos. E isso tem sido uma satisfação enorme para mim ao longo de décadas;
  • Minha atuação entre 1992 a 1998 como vice-presidente de meio ambiente da antiga ANFPC (Associação Nacional dos Fabricantes de Celulose e Papel), atual IBÁ (Indústria Brasileira de Árvores). Foram épocas difíceis pela rejeição por muitas partes da sociedade em relação ao setor. Por isso, focamos em melhorar a área ambiental via certificações, novos conhecimentos, melhorias tecnológicas e formação ambiental das pessoas das empresas. E muito diálogo com as pessoas de ideais e conhecimentos diferentes dos nossos;
  • Decisão de criar meus dois websites e tornar os mesmos como as principais fontes de obtenção de conhecimentos gratuitos para sociedade em relação à ciência e tecnologia setorial. Não são websites de noticiais, são ambos destinados a compartilhar conhecimentos e valorizar as pessoas e as instituições que também fazem isso;
  • Finalmente, o reconhecimento, dentre outros tantos, que recebi do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que me concedeu a honra de ser: Pesquisador Emérito; da instituição, em 2020. O que mais me alegrou foi, que ao receber a notícia por telefone, me disseram que a honraria era destinada a mim não apenas como pesquisador emérito, mas também como professor emérito. Uma alegria enorme por ser o primeiro técnico do setor a ser assim reconhecido.

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