Mercado dinâmico
Commodity promissora para o comércio brasileiro, a celulose enfrenta possibilidades e desafios no ambiente nacional e internacional. No cenário brasileiro, um contexto de mudanças estratégicas entre os principais participantes do setor, além de possibilidades de reformas econômicas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), apresentam perspectivas de aquecimento da economia. Simultaneamente, o acordo firmado com a União Europeia, após duas décadas de expectativas, apresenta novas oportunidades e desafios para a celulose brasileira no continente que é o segundo maior destino de celulose brasileira. Em entrevista à CELULOSE & PAPEL, o economista Leonardo Frota, mestre em Desenvolvimento Econômico e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, aborda o panorama atual do mercado de celulose. Confira:
– Qual a participação da celulose no comércio exterior brasileiro? Como esta participação está evoluindo?
Os dados do Ministério da Economia mostram que em média a participação da celulose no total das exportações brasileiras foi de 3,4% nos últimos dez anos. Recentemente, houve uma tendência de aumento dessa participação. Por exemplo, no ano de 2018 ela chegou a 5%.
– Quais as expectativas de expansão do comércio de celulose brasileira? No comércio exterior, o que pode influenciar a expansão da celulose brasileira?
Olhando os relatórios trimestrais das empresas brasileiras, vemos que há um sentimento de cautela no curto prazo e uma perspectiva mais otimista do médio para o longo prazo. Por um lado, nesse horizonte mais próximo, os altos níveis de estoques globais indicam que o preço da celulose não tem muito espaço para subir – excesso de capacidade em geral produz uma pressão baixista nos preços. Outro fator importante no curto prazo: as incertezas oriundas da guerra comercial entre Estados Unidos e China que induzem um comportamento de aversão ao risco por parte dos mercados. Ainda assim, no médio prazo, espera-se que com a diminuição dos estoques – e da capacidade ociosa – ocorra uma recuperação das condições que permitam um aumento nos preços da celulose. Ressalta-se que esse cenário é dependente da ausência de um aumento substancial na capacidade produtiva global de celulose
– No mercado doméstico, o setor de celulose está vendo mudanças estratégicas nas principais empresas. Como essas mudanças deverão afetar o mercado?
Há uma mudança estratégica no sentido de consolidar fusões entre os principais atores do mercado. Uma vez que mais de 70% da produção de celulose brasileira é exportada, a consolidação do mercado nacional em grandes corporações pode favorecer a posição dessas empresas em termos do mercado global da celulose. Podemos elencar alguns motivos para isso. Primeiro, em geral, empresas com maior fatia de mercado costumam ter margens mais folgadas com relação aos seus custos. Isso significa que é mais fácil gerar resultados operacionais robustos – a geração de caixa da empresa torna-se mais forte; isso é relevante no contexto do mercado de celulose, que como toda commodity, tem muita flutuação de oferta.
Segundo, outro aspecto bem discutido na literatura de economia industrial é que empresas com maior fatia de mercado tem maiores possibilidades de investimento em pesquisa e inovação – uma tendência que já é presente na indústria e que talvez se acentue com esse novo cenário.
– O Mercosul firmou acordo com a União Europeia após anos de expectativa. Como deverá afetar o comércio de celulose? Quais as possibilidades e desafios para o setor?
A Europa hoje é o segundo maior destino das exportações de celulose do Brasil (32%) atrás apenas da China (40%). A redução de tarifas e o alinhamento regulatório propiciado pelo acordo devem favorecer as exportações brasileiras para a União Europeia. Um desafio para as empresas brasileiras, em geral, e pro setor de celulose, em particular, é a adequação às exigências do mercado consumidor europeu. Particularmente, as regras europeias sobre sustentabilidade são cada vez mais rigorosas. É provável que as autoridades europeias condicionem a aprovação do acordo ao cumprimento de legislações ambientais em linha com o acordo de Paris. Em suma: a possibilidade é um aumento da participação relativa da Europa nas exportações brasileiras e os desafios são a adequação às regras europeias.
– O novo governo está mudando medidas no agronegócio. Quais são as perspectivas para o setor de celulose? Até onde novas medidas deverão afetar o setor?
O governo tem dito que pretende melhorar as condições e as regras do jogo com relação ao seguro agrícola e ao crédito rural. No contexto da crescente adoção do sistema pecuária-agricultura-floresta, medidas que melhorem o crédito rural facilitariam os investimentos necessários para aumentar a produtividade dessas propriedades. Além disso, a disponibilidade de instrumentos de seguro permitem que os produtores realizem essa transição assumindo risco menores para sua geração de caixa. Isso é relevante para o setor de celulose porque pode auxiliar na migração de propriedades de monocultura ou exclusivamente de pecuária para regimes que incluam reflorestamento.
– Quais outras medidas econômicas podem ajudar ainda mais o setor de celulose? Até onde há expectativas de implementação dessas medidas pelo atual governo? O que o setor espera para os próximos anos?
O governo avança consideravelmente na construção das condições macroeconômicas que permitem um crescimento mais robusto do Brasil – em particular a combinação de inflação controlada e juros baixos. Adicionalmente, parece que há um movimento para a aprovação das chamadas reformas microeconômicas: as medidas que pretendem melhorar o ambiente de negócios, descomplicar a estrutura tributária e melhorar a eficiência produtiva e da infraestrutura através de concessões e parcerias público-privadas. Todos esses elementos são historicamente associados a taxas de crescimento econômico mais altas.
Alguns atores relevantes do setor de celulose expressaram preocupação com as questões ambientais – em particular com o desmatamento. Naturalmente, o setor de celulose é um elemento fundamental para as políticas de reflorestamento e sequestro de carbono que auxiliariam o Brasil a avançar no caminho de um padrão de desenvolvimento mais sustentável.
Entrevista da REFERÊNCIA CELULOSE & PAPEL, edição 42